

Passados alguns anos
Ainda me lembro como se fosse hoje
O metro apinhado de gente
E à hora do costume
Lá vinha ela sempre de pé
Uma senhora linda trintona
Eu, um adolescente de 18 anos
Seguiamos até ao Saldanha
Viagem longa para alguns
Para mim sempre curta
Para ela, nunca o cheguei a saber
Deslizando entre as pessoas
Aproximava-me dela e ela
Ali ficava, sentia até que se aconchegava
De encontro a mim e o metro seguia
Os solavancos da carruagem
E os empurrões das pessoas
Eram momentos deliciosos
Momentos em que podíamos sentir
O calor dos nossos corpos
Ela deixava-se estar
Eu, vivia os prazeres da manha
Com o seu cheiro corporal
O jeito meigo como me olhava
Trocavamos palavras de silêncio
E em silêncio nos mantivemos sempre
Um dia por mera casualidade
Encontrei-a fora da nossa carruagem
A passear num dos jardins da cidade
Com ela um cavalheiro paraplégico
Rondando a sua idade, um pouco acabado
A minha mente desmoronou-se
Naquele momento senti que a compreendia
Ainda hoje tenho pena
Por não termos trocado palavras reais
Imagino ainda a sua nudez, vestida
Porque nunca mais a voltei a ver.

Sem comentários:
Enviar um comentário